"Eu não presto atenção à publicidade. Passaria toda a minha vida a querer coisas." - Franz Kafka
Tenho observado como a mente procura controlar tudo aquilo que é impossível controlar.
A mente procura controlar os filhos, os pais, os amigos, os companheiros, os políticos, os funcionários públicos, o estado do tempo, o sabor da comida, os condutores, os artistas, a televisão, a natureza.
E ainda não conseguiu descobrir que nunca controlará o que quer que seja.
A mente observa alguém e imediatamente decide que esse alguém deveria ser diferente de quem é.
Se é assim tão fácil mudar, poderia a nossa mente dar o exemplo?
Vou pegar nos exemplos que a vida me presenteou nas duas últimas semanas.
Um pai que está furioso com o filho, de vinte anos, porque este tem sempre o quarto desarrumado. O filho sempre foi assim, e o pai ainda não viu que o filho é o rapaz que gosta do quarto desarrumado. A mente deste homem quer que o filho seja quem não é. E se o quarto desarrumado incomoda tanto o pai, então que o arrume! Afinal a desarrumação só incomoda o pai, é óbvio que deveria ser ele a arrumar o quarto – é a si que incomoda. O filho está perfeitamente bem com o quarto desarrumado. E a mente grita que os quartos deveriam estar sempre arrumados. O que eu observo, pelo menos neste planeta, é que há pessoas que gostam da arrumação tanto quanto outras gostam da desarrumação. Mas quando a mente impõe a sua vontade, criamos um inferno nas nossas vidas e nas dos que nos rodeiam. Se é assim tão fácil ser arrumado, poderia este pai arranjar algum tempo para cri ar alguma arrumação na sua mente e ver o filho por quem ele é e não por quem ele deveria ser?
Um casal com um filho rotulado de autista. A criança senta-se a um canto do meu gabinete. A mãe começa a chorar porque o filho é autista. Olho para a criança, no seu canto. Não tenho uma história para esta criança. Observo o seu sossego, a calma, o olhar para dentro dela. É o que eu faço muitas vezes. Talvez também eu seja autista. Observo simplesmente. E depois observo que quem sofre não é a criança, é a mãe. Pelo que observo a mãe precisa de ajuda, a criança está perfeitamente bem. A mãe quer que o filho seja quem não é: uma criança que não segue o rebanho e não encaixa nos padrões de normalidade, o que quer que isso signifique. Falo com a mãe. E observo que a mãe é autista, não consegue ver o filho. Olha para o filho e quer ver uma criança que não existe. E enquanto eu sorri-o e observo a delicada natureza da crian C3§a, ela escolhe vir até mim, senta-se no meu colo, brinca com as minhas mãos, que não param de se mexer. A mãe volta a chorar. Diz que o filho nunca antes tinha tido aquele comportamento. Observo que provavelmente a mãe nunca tinha aquele comportamento, de amar o filho por ser quem é e não por quem ela quer que ele seja.
Uma mulher está deprimida porque o marido lhe foi infiel. E observo que neste planeta as pessoas amam quem amam, até mudarem de ideia. Esta mulher queixa-se que dedicou a sua vida a um homem que agora tem relações sexuais com outra. Sorri-o. Ela andou a ser infiel a ela mesma e ao companheiro muitos anos. Porque nunca lhe disse a verdade. Deveria ter dito ao companheiro “eu vou dedicar a minha vida a ti, e em troca tu só podes amar-me a mim.” O que ela fez foi uma troca comercial impossível: eu amo-te e tu tens que me amar de volta. Bem-vinda ao inferno. A única pessoa que podemos amar e controlar para que nos ame de volta é aquela que olhamos no espelho pela manhã. O único casamento é connosco. A única relação íntima possível é mesmo consigo mesmo. Os outros são os bónus. E só nos poderão dar o amor que sobra depois de nos amarmos a nós mesmos. Quando eu amo alguém, ou ofereço algo a alguém, e espero um retorno, não estou a dar rigorosamente nada. Estou a efectuar uma troca comercial desonesta porque não menciono o preço a pagar. Conhecia pessoas assim, boazinhas, sempre a dar de si, tal como eu. E a cobrar de cada vez que os outros se afastavam ou não correspondiam. Observa a liberdade presente nesta afirmação (que é a única possível): Eu amo-te, e tu ama quem quiseres. Eu não consigo controlar quem tu amas, apenas posso controlar quem eu amo. E sabe-me bem quando escolho amar-te. Pura inveja! O amor consome-se em si mesmo. Como poderia não amar? Impossível. E quando alguém não é capaz de me amar sei que essa pessoa está a viver temporariamente num inferno, porque amor é tudo o que existe. E o amor manifesta-se de muitas maneiras, todas deliciosas. Esta mulher foi infiel muito antes do companheiro. Foi infiel a ela prà B3pria quando dava o seu amor ao companheiro sem ser capaz de o dar a ela mesma. Foi infiel ao fazer coisas para agradar e não pelo deleite de ser ela mesma. Foi infiel por deixar de fazer coisas com receio do que outros poderiam dizer dela. Foi infiel ao companheiro por nunca lhe ter dito que o seu amor tinha um preço irrealista. E agora só tem a ela mesma para amar. Agora, o único momento verdadeiro. Amoroso.
O professor que está esgotado porque os miúdos na sala de aula gritam. E como é que este professor dá o exemplo perfeito aos alunos? Grita-lhes de volta! Ou seja, mostra-lhes que gritar é a única forma de comunicar. Depois diz aos miúdos que têm que estudar! E quando lhe pergunto o que gosta de estudar responde-me que já passou muito tempo a estudar, para ele já chega. Que belo exemplo! O que o professor diz aos alunos é que estudar é uma coisa que tem que ser feita, mesmo que não se goste. Poderia o professor dar um outro exemplo? Poderia começar por amar os alunos por eles serem quem são e não quem ele quer que sejam? E no meio da gritaria dos alunos, poderia ele encontrar um pouco de paz e tranquilidade? Talvez dedicar o tempo de gritaria na sala de aula para ele mesmo estudar, estudar-se e estudar os alunos? Os outros são sempre um reflexo do que vai na nossa mente. Não há excep ções. E em realidade não são os alunos quem esgota o professor. É ele mesmo. A lutar contra a realidade, quando a realidade lhe mostra tão carinhosamente quem detém o poder. Abrir os braços à vida, ou realidade, é sempre a atitude mais carinhosa que podemos ter para connosco.
A mãe que oferece um fio em ouro à filha. E depois chora porque a filha vendeu esse fio. Ou seja, a mãe nunca ofereceu nada à filha. Deveria ter sido mais honesta e ter informado a filha que o fio era dela mas que não detinha qualquer direito sobre ele. Faz-me recordar a cliente que estava desesperada por ter sido fiadora de uma irmã e andava revoltada por estar a pagar o empréstimo bancário da irmã. Esquecera-se que ser fiador é um acto de amor. Ser fiador é afirmar que se tu não podes pagar a dívida que contraíste eu irei pagar por ti. E só posso manter a minha parte do acordo.
A mente procura sempre ter razão. E nunca a tem. Observa todas aquelas vezes que julgas ter razão. E observa como entras em guerra para ter razão. Observa como ao defenderes a tua versão da realidade dás início à guerra. A mente continuamente afirma “eu quero que tu sejas quem tu não és, para que eu esteja bem.” Um egoísmo doentio.
Eu sou egoísta. Pessoalmente quero sempre que sejas quem tu és. E depois escolho partilhar a minha vida contigo, ou não. Mas por favor, sê sempre quem tu és. Não precisas nunca de mudar, nem de me agradar, nem de ser diferente. A vida é mais carinhosa para todos.
O que gostarias de mudar?
A realidade é um pensamento. E os pensamentos surgem. Pensamos que são nossos. Não são.
O que gostarias de ver diferente naqueles com quem partilhas a tua vida? Escreve tudo o que gostas e não gostas neles. Escreve o que gostarias de mudar neles.
E depois observa se és um bom exemplo para os outros. Observa onde mostras os defeitos que apontas nos outros. E as qualidades. E observa se és o melhor exemplo.
Se acusas alguém de mentir. Onde andas a mentir? Talvez a ti mesmo.
Se acusas alguém de ser deprimente. Onde escondes a tua tristeza?
Se consideras alguém criativo. Onde és criativo? Talvez nas tuas desculpas.
Mas se decidires efectuar este exercício fá-lo com muito amor por quem és. Lembra-te que todos os seres humanos são merecedores de amor, independentemente do que tenham feito ou dito.
Website diferente
Há algum tempo que o Emídio descobriu que o único motivo para manter o nome é que ajuda os outros a relacionarem-se com ele. Mas ele mesmo não acredita no nome. É uma mentira. Eu sou tu. Só pode ser. Ele só vê nos outros tudo o que está nele. Não há dois. Só um: tu.
E tu és o mestre que aguardamos para nos mostrares, com o teu exemplo, como viver em paz com a realidade.
Assim, também o website mudou. Era demasiado presunçoso continuar a acreditar que o Emídio existia. Não existe. Mas há um website. Chama-se:
www.aescolaviva.com
E ainda o blog, onde ele vai colocando algumas notas e descobertas:
www.asombrahumana.blogspot.com
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