A vergonha saudável permite-nos saber que somos limitados. Diz-nos que ser humano significa ser limitado. Em realidade o ser humano é limitado. Nenhum ser humano alguma vez poderá ter um poder ilimitado. O poder ilimitado que muitos gurus modernos apregoam é uma oferta feita de promessas falsas. Os seus discursos chamando-nos para o nosso poder ilimitado transformou-os em pessoas ricas, mas nós continuamos com a nossa vida na mesma, ou quase. Continuamos a enfrentar os mesmos conflitos, as mesmas situações adversas, as mesmas discussões, os mesmos relacionamentos. Em realidade estes gurus tocam nos nossos egos e movimentam a energia aí escondida: a vergonha tóxica.
Enquanto humanos somos “perfeitamente imperfeitos”. Ser limitado está na nossa natureza. Muitos problemas graves podem surgir do facto de não aceitarmos que somos limitados. A vergonha saudável ensina-nos sobre os nossos limites. Como todas as emoções quando são expressas de uma maneira saudável, a vergonha impele-nos na direcção das nossas necessidades básicas.
A vergonha saudável mantém-nos com os pés na terra. É como uma luzinha amarela que nos avisa das nossas limitações humanas. É a energia emocional que nos recorda que não somos Deus – que todos nós cometemos erros e precisamos de ajuda. A vergonha saudável dá-nos autorização para sermos humanos.
A vergonha saudável é parte integrante do poder humano presente em cada um de nós. Permite-nos conhecer os nossos limites, e, assim, utilizar a nossa energia de uma maneira mais eficiente. Conseguimos orientar-nos melhor quando estamos conscientes dos nossos limites. Não desperdiçamos as nossas capacidades indo atrás de objectivos que nos ultrapassam, ou querendo mudar aquilo que não nos é possível mudar. Não perdemos tempo criando objectivos irreais. A vergonha saudável permite-nos orientar a nossa energia para atingirmos o melhor que há em nós. E este melhor é muito variável, de pessoa para pessoa.
A espiritualidade é um acto de abraçar o sagrado em nós. A espiritualidade está relacionada com uma vida interior com valores e significados precisos. Está também relacionada com a nossa finitude – o nosso assombro e estupefacção perante os mistérios da vida. A espiritualidade diz respeito ao amor, à verdade, à bondade, à beleza, ao dar e receber. Sem impor qualquer condição. Amar o amigo que concorda connosco e ser contra a guerra, ou contra o cancro, é um sinal nítido de um ego espiritualizado. A vergonha doentia espiritualiza o ego e educa-o. Assim, consegue manter-se sempre a lutar contra a corrente, contra o fluir natural da vida.
A espiritualidade é o objectivo último de qualquer ser humano, a necessidade última. Leva-nos a procurar transcender-nos e tornarmo-nos conscientes da fonte verdadeira da vida: o desconhecido maravilhoso.
A nossa vergonha saudável é essencial como alicerce da nossa espiritualidade. Ao recordar-nos das nossas limitações básicas, esta vergonha permite-nos saber que não somos Deus. E mostra-nos a direcção para um significado abrangente da realidade
É na nossa vergonha saudável que experienciamos a humildade. Sem necessidade que os outros acreditem em nós, nem necessidade de manipular o que os outros dizem de nós. O silêncio impera.
A vergonha doentia leva o ego a continuamente se justificar. A necessidade de justificarmos um nosso comportamento nada mais é que a necessidade de manipular os outros para que pensem de nós o que queremos que pensem de nós.
Por exemplo no FaceBook podemos descobrir muitas pessoas com um perfil sem nome próprio, recorrendo a nomes virtuais que a mente associa facilmente com a espiritualidade, ou com uma foto de anjos ou estrelinhas ou golfinhos. É uma forma da vergonha doentia, escondida atrás de uma máscara, tentar manipular os outros. No fundo é uma tentativa do ego gritar aos outros “quero que pensem que sou uma pessoa boa e espiritualmente evoluída”. E em realidade, quando se é evoluído não é preciso convencer ninguém do que quer que seja. A perfeição está sempre presente.
Um nome é um nome. A foto da face é uma foto da face. Não há necessidade de esconder nem manipular. Por este motivo afirmo que já encontrei muitas pessoas que se afirmam como “ateus” que vivem uma espiritualidade mais viva e honesta que muitas pessoas que se julgam espirituais.
Publicada por Emídio Carvalho em http://asombrahumana.blogspot.com
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